Blog de Margaridas Enlatadas

Peça da Cia Teatro Enlatado com textos de Caio Fernando Abreu

domingo, 12 de setembro de 2010

O que disseram sobre

Margaridas Enlatadas por Marco Albuquerque
Caio F. 60 anos, lembrado e reverenciado
É final de tarde de uma sexta-feira e me dirijo ao Aeroporto de Guarulhos pra pegar um vôo com destino à Porto Alegre e assistir alguns espetáculos da décima quinta edição do Porto Alegre em Cena. O primeiro deles, Margaridas Enlatadas – Caio F – 60 Anos, seria apresentado na própria noite de sexta-feira, o que me colocava em uma daquelas missões impossíveis: torcer pra que tudo desse certo e que eu pudesse estar confortavelmente sentado no Palco do Teatro de Câmara às 22 horas, horário previsto pro início do espetáculo.
A missão é quase impossível em decorrência de todas as coisas que podem dar errado: caos na Marginal Tietê, caos no Aeroporto, caos da organização do Festival (morro de medo deste tipo específico de caos…), entre outras modalidades de caos menos freqüentes (como furar o pneu do carro, ser seqüestrado por bolivianos radicais, pegar rubéola ou o teatro pegar fogo), mas com igual efeito destruidor de planos.
O caos na marginal foi o usual – umas duas horas de tráfego intenso. O caos no aeroporto foi bem melhor que o normal – apenas meia hora de atraso na decolagem do vôo. Chego a Porto Alegre pouco depois das 19 horas e me dirijo tranqüilo à Usina do Gasômetro, onde devo efetuar a troca do meu comprovante de compra pelos ingressos propriamente ditos (a organização podia facilitar a vida do público e permitir esta troca diretamente nos teatros!). Chego lá pouco antes das 20 horas (o horário em que o posto de atendimento fechava) e sou surpreendido por um revés: sou informado que o posto de atendimento fecha às 18h e não às 20h, como está marcado em destaque no meu comprovante de compra.
Meu comprovante de compra informa que a troca não pode ser efetuada no próprio teatro, mas já que o horário de fechamento do posto do Gasômetro estava errado, eu decido ignorar as demais instruções do comprovante e é pra lá que eu me dirijo, armado até os dentes e pronto pra iniciar uma briga com qualquer um da organização que tentasse me impedir de assistir o espetáculo. Sou novamente surpreendido, desta vez positivamente: uma funcionária extremamente solícita e educada pede desculpas pelo meu tour por Porto Alegre e me fornece o ingresso para o espetáculo sem qualquer tipo de objeção. Ao verificar o meu comprovante de compra ela, entretanto, me avisa que Fausto, montagem da Lituânia que eu veria no dia seguinte, teve sua sessão cancelada, porque o cenário do espetáculo foi enviado por engano para a Argentina (curioso, não é mesmo? Rende até um bom argumento pra uma peça de teatro: elenco lituano cancela apresentações e fica sem ter o que fazer em um país tropical enquanto seu cenário é mandado para a Patagônia).
Chateado pelo cancelamento de Fausto, mas contente por poder assistir o espetáculo da noite, eu aguardo na fila pra entrar no teatro, enquanto um repórter inoportuno incomoda os presentes e um modelo distribui amostras de xampu anti-caspa (humm… rende outro argumento…).
Neste exato momento, você, caro leitor, já deve estar se perguntando quando é que as Margaridas Enlatadas e o tal espetáculo delas vai aparecer nesta crítica, não é mesmo? Se você já é um leitor regular da Bacante, você já deve estar acostumado e talvez você nem tenha percebido que o espetáculo só foi brevemente mencionado e que todo o texto até aqui foi sobre outros assuntos. Se você não é um leitor da Bacante, então eu preciso explicar que muitas das críticas da Bacante são assim mesmo e podem falar sobre aquilo que acontece fora do palco, podem ser uma cartinha escrita enquanto se aguarda o espetáculo, podem ser elaboradas sem texto e até podem surgir em forma de passatempo.
De qualquer forma, leitor ou não leitor, se você chegou até aqui, já está mais do que na hora de começarmos a falar sobre Margaridas Enlatadas, que no final das contas são mesmo o assunto principal desta crítica. Então vamos a elas: trata-se de um grupo de teatro gaúcho formado por três atrizes e que participa desta edição do Porto Alegre em Cena com uma única apresentação deste espetáculo. O Caio F em questão (não confundir com a Cristiane), é Caio Fernando Abreu, escritor gaúcho cuja obra gerou uma das poucas unanimidades na cena teatral de 2008 e que completaria 60 anos de idade na data da apresentação da montagem das Margaridas.
A primeira imagem que vemos é a de um pano vermelho, estendido no chão como um tapete. As atrizes entram, uma com uma rosa, outra com diversas sacolas de compra e outra com um regador de jardim. Um forte batuque de origem africana toma conta do teatro e as três atrizes se lançam em um frenético ritual. Uma das atrizes percorre o palco com o regador, que despeja uma areia branca e forma um círculo que circunda todo o palco, depois acende vela e incensos. A segunda atriz tira pílulas e papel higiênico das sacolas, ingere as pílulas e vomita, usa um desodorante bucal, depois tira um creme hidratante de outra das sacolas e se besunta enlouquecidamente com ele. A terceira, a que está com a rosa, move-se lentamente pra trás, com movimentos quase não perceptíveis e vai recolhendo com os pés o pano vermelho que atravessa o palco. Tudo é muito hipnotizante.
Subitamente, o som e os movimentos cessam e o texto de Caio Fernando Abreu é ouvido pela primeira vez. Adaptado pelas atrizes, é dito na forma de monólogos entrecortados. São vozes de várias mulheres, cujas histórias se misturam no palco. Ouvimos a mulher que acredita que mora com um dragão e que tudo irá melhorar se ela repetir 7 vezes o mantra “Que Seja Doce!”, ouvimos a mulher que pega o marido transando com a empregada, a mulher bêbada cujo amado foi pro Sri Lanka e lá se apaixonou por outra, a mulher que tem que driblar um pedinte pra se refugiar numa sessão de cinema e assim por diante.
O espetáculo é curto, acelerado e preciso. São pouco mais de 50 minutos. Ao final fica uma vontade de quero mais. De querer permanecer com aquelas imagens, de querer ver mais daquelas atrizes, de querer ouvir mais o texto de Caio.
3 margaridas
Publicado em 15, September, 2008

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